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REVIEW | Pokémon Legends: Z-A tenta reinventar a série, mas revela o cansaço da franquia mais valiosa do mundo

Um RPG ambicioso no discurso, tímido na execução. Testamos Z-A e explicamos por que seu brilho se apaga antes do fim.

REVIEW | Pokémon Legends: Z-A tenta reinventar a série, mas revela o cansaço da franquia mais valiosa do mundo
Créditos: Divulgação/Game Freak

Eu queria acreditar. De verdade. Aquela esperança quase infantil de que, dessa vez, a Game Freak ia acertar. Que Lumiose City, de alguma forma, fosse o “renascimento” que os trailers prometeram e o suspiro depois de anos de remakes mornos e bugs cômicos.

E nos primeiros minutos, eu até comprei a fantasia. Os menus piscando, a trilha com um toque de jazz francês, os visuais novos das Mega Evoluções… parecia que agora ia. Parecia.

Logo percebi que o jogo inteiro era feito de “parece”. Parece um mundo aberto, mas é uma rua com grades invisíveis. Parece liberdade, mas tudo tem tutorial. Parece novo, mas é a mesma equação velha pintada de neon.

O pior é que eu não odiei de cara. Pelo contrário, foi aquele tipo de decepção que vem devagar, quase sutil. No diálogo sem voz, na porta que não abre, a cada batalha que se repete como déjà vu, eu sentia o encanto inicial desbotando. Até que sobrou só o esqueleto de uma ideia boa, cercado por menus, pop-ins e ilusões não cumpridas.

Pokémon Legends: Z-A é um jogo que não erra sem querer. Ele erra por preguiça e pela certeza de que a gente vai comprar mesmo assim. E isso no fundo é muito triste.

A ilusão de grandeza

O jogo começa te convencendo de que algo grande vai acontecer. A câmera passeia por Lumiose como se quisesse te mostrar uma metrópole viva, pulsante, o “coração do mundo Pokémon”, segundo a narração muda.

Só que bastam cinco minutos pra entender que esse coração não bate: ele reincide animações, recicla NPCs e te proíbe de entrar nos lugares mais interessantes. É uma cidade de papelão, bonita de longe e oca por dentro.

Eu lembro da sensação: andei pela primeira vez pela avenida principal, empolgado, achando que tinha um mundo inteiro à frente. E aí, pum: uma pedra nada a ver no meio do caminho. O jogo simplesmente decidiu que não era hora de ir por ali. “Não agora”, diz uma voz constante do jogo.

Divulgação/Game Freak

A verdade é que Pokémon Legends Z-A não quer te deixar explorar. Ele quer te conduzir. E faz isso com um sorriso falso, como um guia turístico que te proíbe de tirar fotos. Toda esquina parece prometer algo — um beco misterioso, uma placa com história —, mas nada realmente existe. É cenário. É textura. É uma cidade feita para ser olhada e admirada, mas não vivida.

A Game Freak chama isso de inovação. O que eu senti foi o contrário: um jogo que não confia em mim, que teme o que posso descobrir se sair do script. Toda vez que eu me defrontava como o “não pode ir por aí”, eu lembrava de quantos mundos de verdade já habitei em jogos menores, feitos por estúdios com um décimo do orçamento.

Lumiose sempre foi o espelho digital de Paris, e em Z-A essa ideia volta mais explícita do que nunca. As avenidas largas, os cafés, as fachadas iluminadas — tudo remete à promessa de uma cidade viva, romântica, caótica.

O jogo recria a capital francesa com a elegância de um cartão-postal e a interatividade de um museu fechado. Lumiose é uma maquete: grandiosa na dimensão, mínima no toque. É o primeiro grande truque de Z-A, te vender escala, entregar claustrofobia.

Divulgação/Game Freak

O trabalho de repetir

Em algum ponto entre a quinta “sidequest” idêntica e o enésimo diálogo que parece escrito por um estagiário em piloto automático, eu percebi que o jogo não queria que eu jogasse, só que eu preenchesse planilhas invisíveis.

Tudo em Legends Z-A é uma checklist disfarçada de aventura: caminhe até ali, veja uma cutscene, derrote alguém que repete as mesmas falas, receba um item inútil.

A rotina é o verdadeiro inimigo do jogo. As missões prometem algo como um personagem novo, uma situação diferente e te entrega o mesmo molde com outra roupa. Você não caça Pokémon; você repete um protocolo.

Divulgação/Game Freak

Nem o sistema de progressão disfarça: o jogo te dá dinheiro, TMs e frutas como se fosse recompensa, mas é esmola. É o tipo de gratificação que parece feita pra te lembrar o quanto tempo você perdeu.

É um RPG onde o verbo principal é obedecer

O pior é que há uma sensação genuína de déjà-vu. como se o jogo tivesse consciência de estar se copiando. Ele te faz seguir Pokémon três vezes na mesma missão, te coloca pra lutar contra NPCs com os mesmos Clefairy e te parabeniza como se fosse algo épico. É tudo automático, sem intenção, sem alma.

E, no meio disso, o jogo ainda tenta ser engraçado. As piadas internas e o humor autorreferencial soam como desculpas pra falta de criatividade. É o equivalente narrativo de uma piscadinha de quem sabe que fez besteira, mas acha que o carisma resolve.

Jogar Z-A é viver num eterno tutorial: o jogo nunca confia que você entendeu, nunca te deixa improvisar, nunca te deixa só jogar. Tudo é guiado, ensaiado, domesticado com várias telas carteladas para garantir que você leu. E isso cansa mais do que qualquer grind.

A história que parece briefing

Em teoria, Pokémon Legends Z-A tem uma trama: você faz parte de uma equipe endividada com agiotas e é forçado a trabalhar pra eles enquanto tenta salvar sua líder.

Na prática, é só uma desculpa pra transformar exploração em expediente.

O jogo chama isso de missão, que eu chamaria de jornada corporativa. Os diálogos soam como memorandos, as ordens parecem e-mails que você não pediu pra receber.

Divulgação/Game Freak

A história tenta soar adulta — fala de credores, contratos e “comunidade” —, mas tudo com a sutileza de um powerpoint motivacional. Não há vilões. Os agiotas são altruístas. A megacorporação que controla a cidade é retratada como benfeitora. É propaganda travestida de roteiro, um mundo sem conflito onde até a servidão vira “serviço à comunidade”.

No meio dessa fábula neoliberal, o jogo ainda inventa o Z-A Tournament, um sistema de ranking que funciona como reality show interno. Você luta à noite, sobe letras do alfabeto (de Z pra A) e ganha “pontos de reputação”.

Na teoria, é a espinha dorsal do jogo. Na prática, é uma sequência de batalhas contra NPCs com dois Pokémon e frases genéricas de incentivo. Um teatro de progresso, sem drama, sem risco.

E como já falamos, o loop é sempre o mesmo: dia de tarefas banais, noite de combates ranqueados, e o ciclo recomeça. Mesmo a tentativa de ironia no roteiro (aquele humor de quem sabe que está te prendendo) vira cinismo involuntário. Z-A quer ser “autoconsciente”, mas só parece um gerente tentando ser cool na festa da firma.

No fim, você entende finalmente que isso não é uma história sobre Pokémon. É sobre produtividade.

Feito pra trailer, não pra jogar

Nos trailers, Z-A parecia ter entendido o que significa evoluir: luz suave, reflexos nos prédios, câmera girando com segurança de blockbuster. Na prática, é aquele tipo de beleza que dura só até o menu sumir da tela.

No Switch 2, os 60 frames por segundo até enganam por um tempo. No Switch 1, o jogo tropeça nos 30 e entrega um show de pop-in: NPCs surgindo do nada, sombras piscando, texturas carregando com preguiça. É o Pokémon mais caro já feito, mas ainda parece um jogo que não terminou de renderizar.

Divulgação/Game Freak

A ausência de voz continua sendo a piada mais antiga da franquia. As pessoas gesticulam, mexem a boca, mas nada sai. É como assistir a uma peça ensaiada sem som onde você entende o que acontece, mas sente vergonha alheia de estar ali.

Visualmente, tudo brilha demais. As roupas são enceradas, os Pokémon parecem bonecos de vitrine, e a cidade inteira tem o mesmo ar falso de vitrine de shopping. De longe, é impressionante. De perto, é maquiagem.

Há algo triste nesse polimento. Parece o esforço de quem sabe que não tem substância, então tenta distrair com luz. É um desejo que evapora rápido. Um verniz que reluz bonito até o momento em que você aperta Start e percebe que nada ali foi feito pra durar mais que a cena para produzir um trailer.

Combate é a novidade que finalmente tenta algo

O combate em tempo real de Pokémon Legends Z-A é o primeiro sinal de que a Game Freak, talvez, tenha entendido o tamanho do problema da série há anos.

Felizmente, há um esforço legítimo em renovar o ritmo das batalhas para deixá-las mais próximas do animé e isso aparece de cara. Elas têm energia, impacto, e um senso de urgência que a série vinha evitando. A primeira vez que desviei de um golpe no reflexo, senti que algo tinha mudado: enfim, não era só escolher os mesmos golpes até vencer.

Divulgação/Game Freak

A estrutura lembra um híbrido entre ação e RPG tático. Você se move, ataca, alterna habilidades com cooldown e vê os Pokémon reagindo em tempo real. Quando funciona, é delicioso: ver o impacto de um Surf varrendo o cenário, ou coordenar um combo rápido antes do oponente recuperar terreno, dá uma sensação de controle que a série nunca teve. A direção é boa. Dá pra sentir o potencial.

Há boas ideias aqui, mas pouca liberdade para respirarem

Mas o sistema ainda engasga na hora de ser fluido. A responsividade varia demais: golpes como Surf ou Flamethrower miram automaticamente, mas outros exigem posicionamento preciso e, por vezes, quebram o ritmo.

Seu Pokémon recua pra “alinhar” o ataque, demora pra reagir, e a troca de comando sofre com atrasos. É como dirigir um carro esportivo com câmbio automático. Rápido, mas com travas que lembram que ainda há um script por trás.

Os chefes “Rogue Megas” mostram o quanto a equipe quer experimentar. As arenas fechadas, as zonas de perigo e os padrões de ataque transformam as batalhas em algo mais tenso, quase de ação-aventura.

Divulgação/Game Freak

No começo, é incrível ver um Mega gigante cercando seu time e obrigando você a se mover. Depois, a repetição pesa. Os golpes seguem padrões previsíveis, e o foco no treinador (não nos Pokémon_ quebra a fantasia do duelo. Ainda assim, é uma base sólida. Com ajustes de ritmo e inteligência artificial, há um embrião de futuro aqui.

A barra de Mega e os “Plus Moves” são outra boa ideia, porém ainda desequilibrada. O sistema recompensa agressividade e timing, o que é ótimo, sõ que o poder exagerado das Megas simplifica o desafio. Quando tudo gira em torno de encher a barra e ativar o bônus, a estratégia morre um pouco. É divertido, mas não sustentável.

O ponto é que o combate de Z-A não é ruim. Ele ainda é cru. É o primeiro protótipo de uma fórmula que pode, enfim, libertar Pokémon do turno estático e das animações recicladas. Ainda não é o jogo que a série precisa, mas é o mais perto que ela chegou de um verdadeiro recomeço.

Conteúdo e duração: menos é pouco

Pokémon Legends Z-A chega com aproximadamente 230 criaturas disponíveis no jogo base, um número que já parece modesto frente aos mais de mil monstros que a franquia acumulou ao longo das gerações.

O DLC, já anunciado e precificado, promete adicionar cerca de 150 Pokémon novos, além de 40 a 50 Mega Evoluções inéditas, o que levanta a suspeita inevitável: conteúdo cortado para ser vendido depois.

A variedade de tipos existe, mas é rasa. Os biomas urbanos limitam a sensação de descoberta, pois os mesmos Pokémon aparecem em diferentes zonas com pequenas variações de cor ou comportamento.

Mesmo os novos Megas, embora visualmente curiosos, alternam entre o criativo e o bizarro. É a primeira vez em anos que a Game Freak realmente experimenta, mas o resultado vai do “finalmente algo novo” ao “talvez fosse melhor não”.

Divulgação/Game Freak

Quanto ao tempo de jogo, quem seguir o caminho principal deve chegar aos créditos em 20 a 25 horas. Completistas, que se arriscarem nas sidequests e na Pokédex, podem estender isso para 35 ou 40 horas, no máximo. A duração é enxuta, mas o ritmo irregular faz o tempo parecer mais longo do que é e não necessariamente de um jeito bom.

Os lendários também ficaram longe de causar impacto. A presença de figuras como Mewtwo e Zygarde (em versões alternativas) funciona mais como fan service do que como eventos realmente marcantes.

Eles aparecem com pouco contexto, quase como troféus colecionáveis. É sintomático de Z-A como um todo: até quando tenta soar épico, o jogo parece apressado em acabar logo.

E para completar o pacote, o game chega e sem legendas em português do Brasil. Um descuido difícil de justificar em 2025, especialmente para um jogo dessa escala e preço.

O preço do costume

É curioso como o jogo começa leve e termina pesando no bolso. No início, você só quer capturar, explorar, entender a nova Lumiose. Quando percebe, já pagou R$ 349 por isso e mais R$ 159 pelo conteúdo extra anunciado antes mesmo do lançamento. A diversão passa, mas a conta fica. E ela é alta.

Divulgação/Game Freak

O valor seria justo se Z-A fosse um salto. Se mostrasse uma Game Freak disposta a arriscar, a gastar onde importa, a entregar um mundo vivo.

No entanto, o que recebemos é um jogo que custa como um AAA, embora tenha custado entre US$ 13 e 20 milhões para ser feito — uma fração mínima comparada às produções de mesmo preço nas prateleiras e ridiculamente pequena diante da maior franquia de entretenimento do planeta, avaliada em mais de US$ 100 bilhões. É um projeto de bolso vendido como obra-prima.

São quase R$500 por um jogo que ainda parece um protótipo

São quase R$ 500 por um rascunho com acabamento brilhante. E o mercado entende o recado. Pokémon não precisa ser excelente; só precisa existir. O nome sustenta tudo. A marca carrega uma fidelidade que a própria empresa parece testar a cada geração: quanto dá pra reduzir sem perder o público? O resultado é o mesmo de sempre: jogo novo, mesmas ideias, preço cheio.

Ainda assim, há lampejos do que poderia ser. O novo sistema de combate tem frescor, Lumiose tem instantes de encanto, e a base está ali, pedindo pra ser lapidada. Só falta ambição. Z-A poderia ter sido o ponto de virada, mas preferiu a segurança de parecer “novo” sem mudar nada.

Hoje, pagar caro por Pokémon virou quase um ato automático. A gente não compra mais uma aventura; compra a lembrança do que ela já foi. E essa, sim, é a parte mais cara da experiência.

Divulgação/Game Freak

Vale a pena jogar Pokémon Legends: Z-A?

Depende do que você está procurando. Se for novidade, não. Se for futuro, também não. Z-A não reinventa Pokémon, ele somente ensaia uma tentativa, meio tímida, meio promissora, de modernizar algo que ficou preso no tempo.

Mas se o que você quer é reviver a sensação de ver um Mareep pulando num telhado e lembrar de quando tudo parecia mais simples, talvez ainda valha.

É um jogo com boas ideias e execução apressada. O combate aponta para algo maior. A cidade teria potencial, contudo no fim temos pouco para fazer. A história flerta com temas adultos, mas não tem coragem de explorá-los. E a performance, embora estável, é a prova de que “funcionar” virou elogio demais para uma franquia desse tamanho.

O que mais incomoda é a acomodação. A Game Freak provou que ainda sabe onde estão as portas certas, só não quer abri-las. Prefere pintar o cenário, vender a entrada e chamar isso de revolução.

Mesmo assim, Pokémon Legends: Z-A não é um desastre completo. É só o lembrete de um potencial enorme sendo guardado a sete chaves. Jogue se quiser ver para onde a série poderia ir, não para onde ela foi.

E talvez esse seja o maior dilema: a gente ainda joga Pokémon esperando um milagre… E se contenta quando ele apenas funciona.

Prós

Combate em tempo real traz frescor à série

Performance estável no Switch 2, sem grandes bugs

Boa trilha sonora e ambientação sonora envolvente

Pequenos toques narrativos mais maduros

Mega Evoluções repaginadas adicionam variedade tática

Base sólida para futuras inovações na série

Contras

Estrutura repetitiva e linear, com pouca liberdade real

Visual datado e falta de ambição técnica em plena nova geração

Lumiose City é o único cenário e quase toda ela é fachada

Missões genéricas e sidequests sem impacto real

Mundo vazio, pouca exploração e quase nenhum segredo

Ausência total de dublagem, legendas em português e ritmo arrastado nos diálogos

DLC de R$159 parece conteúdo cortado do jogo base antes mesmo do lançamento

Relação custo-benefício fora do senso: cerca de R$500 pela experiência completa

Pokémon Legends: Z-A foi adquirido para Nintendo Switch 2 para a realização desta análise.

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