Poucos jogos se vendem (ou não) tão rapidamente como Scorn. Você provavelmente já tem uma reação forte a imagem do topo da análise. E eu não tenho dúvida que isso é o ponto mais forte desse game. Goste ou não, dificilmente sua reação vai ser de indiferença a este jogo. É praticamente uma bufada de ar fresco (quer dizer, ar asqueroso) que pode ser uma boa saída da mesmice da indústria de games. Ou talvez seja melhor você passar longe.
Vamos descrever melhor no restante dessas nossas impressões com Scorn, esse game indie desenvolvido pela Ebb Software e distribuído pela Kepler Interactive, disponível para PC e Xbox Series. Fizemos nossos testes em um PC (AMD Ryzen 9 3900XT + GeForce RTX 2070 Super) e, curiosamente, em um Steam Deck (análise em breve).
Tudo é um maravilhoso feio
Scorn é um belíssimo jogo horrível. A estética é muito inspirada em Hans Rudolf Giger, que mistura surrealismo e o horror, com toques do clássico I Have No Mouth, and I Must Scream. O game fica constantemente mantendo o jogador em uma situação de desconforto. Todas as estruturas e itens no jogos tem uma estranha dualidade de parecerem extremamente orgânicos na sua composição, porém atuam de forma extremamente mecânica nos movimentos, peso e sons que trazem em suas animações. Esse jogo pega o vale da estranheza, se muda para lá e chama de lar.
Já estou jogando Scorn nos últimos dias e vou mandar um horrores, digo, impressões, no Adrena pic.twitter.com/QIZtUYyp90
— Diego Kerber (@kerberdiego) October 14, 2022
Esse jogo pega o vale da estranheza, se muda para lá e chama de lar
A estética do game e os gráficos são um pilar importantíssimo do game, pois a ambientação é a essência da experiência com o game. O jogador se vê largado nessa realidade surreal sem instruções claras de quem é, porque está ali e que diabos está acontecendo ao seu redor. Os gráficos estão em um excelente nível de detalhamento e qualidade, sustentando a experiência de espanto, que é o objetivo da desenvolvedora do game, sendo importante especialmente nos trechos de simples e singela violência que vão acontecendo no caminho.
Outro elemento que contribui para essa sensação de opressão é a trilha sonora. Não dá nem pra chamar isso de musica propriamente, mas tem um som sintético ao fundo que se assemelha muito a ruídos orgânicos, o que casa perfeitamente com o restante da estética do game. Eu recomendo fortemente jogar com um fone ou um sistema de som com reforço nos graves para aproveitar ao máximo o som sintetizado “de um intestino se retorcendo lentamente”, ou seja lá como vocês vão interpretar os curiosos sons que enchem a atmosfera.
Você está perdido, e não está só
Enquanto a estética já dá o tom ao jogo, a Ebb Software fez várias escolhas acertadas, porém arriscadas, para fazer o jogador ficar imerso nesse mundo. O primeiro é a ausência praticamente completa de um HUD ou mapa. O jogador precisa prestar atenção nos pequenos detalhes dos cenários, e por conta da estética que é muito carregada, é fácil passar reto de algo importante várias vezes até percebê-lo.
Aqui vem a aposta perigosa do jogo: você vai se perder várias vezes, e pode precisar rodar múltiplas vezes o mapa para encontrar um objeto. Enquanto a maioria dos games modernos tentam ao máximo evitar essa frustração do jogador, usando recursos como iluminar mais o caminho por onde quer que ele ande, ou colocar algas e musgo para indicar partes da parede que o jogador pode escalar, por exemplo, Scorn não vai fazer esse tipo de concessão. O jogador que explore com mais atenção, porque não vai ter nenhuma cor laranja piscando em cima da chave, muito menos um mapa com um tracejado te levando ao próximo objetivo. Na realidade, você nem sabe qual é seu objetivo.
Enquanto a maioria dos games modernos tentam ao máximo evitar essa frustração do jogador, Scorn deixa você perdido e não vai se esforçar para ajudá-lo
Claro que a desenvolvedora não deixou o jogador 100% largado, e algumas decisões de design de fases ajudam a não tornar essa experiência – ainda – pior. Apesar de não ter nenhum indicativo mais “na cara”, a arquitetura das câmaras eventualmente tem pontos focais que deixam levemente indicado onde há algo relevante, porém isso não é uma constante. As vezes vai estar mesmo em um canto nada a ver a próxima alavanca que você precisa. Outro cuidado é só um leve HUD quando você se aproxima de objetos que podem ser acionados, mas é um detalhe bastante sutil e só vai aparecer quando você já estiver em cima do mecanismo, ficando longe de te ajudar se estiver perdido.
Isso faz com que Scorn tenha a frustração e a desorientação não como uma falha de projeto, e sim um objetivo do jogo. São raros os momentos em que eu avancei com segurança por alguma área, e só estou compreendendo mais claramente o puzzle já na reta final de sua solução. Durante o processo, a sensação que esse game passa é de dúvida, insegurança e uma pitadinha de tontura, como já vou comentar mais pra frente.
Um cuidado interessante é no bloqueio e desbloqueio de áreas. Apesar de ser todo interconectado, a desenvolvedora tem diversas travas em áreas específicas do mapa, evitando que o jogador tenha uma área excessivamente grande de exploração, algo bem importante para os momentos em que você vai precisar girar duas, três ou mais vezes o mapa até entender como resolver o puzzle. Isso traz outro efeito interessante: o story telling do jogo é muito indireto, através do mapa e seus objetos, e como o jogador é forçado a ser minucioso, ele acaba dessa forma absorvendo de forma mais eficiente esses detalhes – horrendos – do mundo de Scorn.
Scorn faz um excelente balanço entre a sensação de solidão extrema e a sensação incômoda de estar sendo seguido
Scorn faz um excelente balanço entre a sensação de solidão extrema, amplificada pelas grandes estruturas vazias, o som basicamente ambiental e a ausência de diálogos ou qualquer tipo de texto, e a sensação incômoda de estar sendo seguido. Seguindo a lógica de que “a expectativa do estampido da bala é pior que o disparo em si”, você está sempre com a pressão que algo violento está prestes a acontecer com você – afinal é o que acontece ao seu redor – mas esse evento parece nunca acontecer. Piora a sensação de perseguição a estética surrealista do jogo, muito carregada de formas que parecem orgânicas, então várias vezes você vai pensar que uma parede ou uma pilastra é uma pessoa ou um monstro, ou vão ser formas humanas mesmo, mas de cadáveres empilhados as dezenas. É, você não vai ter um minuto de paz de espírito jogando esse jogo.
Puzzle pra todo lado, e um pouco de enjoo
A base do gameplay de Scorn são os puzzles, e digo isso de uma forma bastante abrangente. Além dos tradicionais “empurra aqui, puxa ali”, achar itens para desbloquear passagens e muita observação para ver o efeito que suas ações causam no mundo do jogo. É um gameplay bastante contemplativo e paciente, e definitivamente junto com a estética do game, faz ele não ser para qualquer um.
Os puzzles são variados e interessantes, mas a movimentação é um saco
Como o jogo praticamente não tem indicações visuais de auxílio ao jogador, é preciso ficar encarando a nojeira que compõe o jogo e entender como cada coisa funciona. O jeito é a tentativa e erro: você aciona o painel, fica girando o mecanismo até entender o que vai aonde e como isso vai te ajudar a avançar. O desafio está em um nível moderado por aqui, então não cheguei a me frustrar falhando na tentativa de resolver o quebra-cabeça, mas na mesma medida fui desafiado o bastante para considerar que resolvê-lo foi gratificante.
Mas no gameplay temos os momentos mais fracos do jogo, e um deles é essencial. A movimentação, tão necessária para a exploração, é meio truncada e incômoda. Eu precisei mexer um tanto nos ajustes de sensibilidade do mouse e, mesmo assim, alguns segmentos me deixaram levemente tonto. No Steam Deck foi ainda pior, pois fiz o ajuste a 30fps para ficar mais estável, e o resultado é ainda mais enjoo de movimento.
A melhor parte dos combates é quando não tem eles
Isso acaba criando um combo desvirtuoso com a parte mais fraca do jogo: os combates. Em trechos localizados o jogador vai ter inimigos para enfrentar, e o gingado todo travado do personagem torna essas lutas uma tortura pior do que o visual do jogo. Entendo que a opressão do mapa ficaria vazia se algo não nos atacasse eventualmente, mas é fácil o ponto mais fraco do game e talvez poderia ter ficado de fora. O jogo em teoria foi pensado em te colocar em situações de decidir se luta ou foge, mas os comandos todos estranhos e a falta de um bom recurso de stealth, por exemplo, torna esses segmentos em trechos que eu só quero ir embora.
Você deve sofrer com esse jogo?
Vale a pena encarar a nojeira e tensão incessante de Scorn? Ele estar presente no Game Pass já no seu lançamento é sempre um ponto positivo, porque vai estar a um clique de estar disponível para jogar para os assinantes da plataforma. Para quem não quer assinar, o preço de R$ 75 é bastante sensato para as mais ou menos 8 horas intensas de experiência que o jogo proporciona. E dado o quanto ele é pesado, é até bom que não dure mais que isso.
Eu com certeza não recomendo esse game para a maioria das pessoas, ele é muito experimental e ousado, mas tem umas coisas que fazem eu ter criado um… ahm… carinho por ele. O primeiro é justamente seu jeito disruptivo, indo na contramão de uma indústria que anda muito preocupada em entregar conforto, e em uma sociedade que em que estamos praticamente criando metas de produtividade de entretenimento. Quem aí não começa o final de semana com objetivos de episódios pra assistir, e games pra fechar? Scorn não está nem aí pra isso. Você vai ter que ser paciente para fechá-lo, e vai ter que dedicar sua atenção. Nada de multitasking, e se você pegar um detonado, vai ter perdido o principal da experiência com o jogo.
Scorn é uma experiência marcante e que não é pra qualquer estômago
O segundo é que esse game respeita o jogador. Ele não fica tentando confortá-lo ou ajudá-lo. Ele dá seu tempo, deixa você se debater pelo mundo e achar seu caminho. Esse game nem mesmo se explica: é você quem vai concluir o que quiser sobre ele. Você vai ficar com pena que essa civilização decaiu? Ou será que estes restos que você está vendo são algo corrompido, e é bom que tenha terminado? O espaço é seu para pensar e sentir o que quiser, e se tem algo que Scorn vai te dar, é espaço e tempo.
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